GenAI e pensamento crítico: o problema é o problema
- Mauro Martins

- 4 de out.
- 4 min de leitura

Em nosso entusiasmo para adotar e usar o GenAI, estamos ignorando um problema crítico: o que as ferramentas estão fazendo com nossas habilidades de pensamento crítico? E por que sócios experientes são melhores no uso do GenAI do que advogados mais jovens?
Participei na semana passada do 6º Congresso de Inovação e Gestão Jurídica do Centro-Oeste (CIGJUR) que contou com palestras e painéis muito interessantes que discutiram muitos temas e, obviamente, muito foi falado sobre a adoção de IA na advocacia e os equívocos sobre imprecisões da GenAI, como reduzir alucinações, como fazer perguntas à GenAI da maneira correta para reduzir riscos e o que o futuro reserva.
Após a minha palestra, tivemos um momento de debates muito interessante que evoluiu de maneira inesperada.
A Discussão Crítica
Na palestra que realizei no segundo dia do evento, com o tema "As 03 ondas da IA e seus impactos na advocacia", a questão que mais chamou a atenção dos participantes foi algo mais fundamental: os perigos implícitos da GenAI e os problemas que a profissão enfrenta na formação de jovens advogados.
A primeira parte da apresentação levantou algumas questões problemáticas e desafiadoras, sendo muito fácil percebê-las no contexto da pesquisa jurídica.
Na Primeira Onda da IA, estamos vendo um processo de otimização dos fluxos de trabalho que foca nas atividades mais simples e repetitivas, geralmente atribuídas aos profissionais em início de carreira (assistentes, estagiários e advogados juniores).
Porém, embora a GenAI seja muito boa em realizar tarefas rotineiras, resumir e manipular dados e aliviar as tarefas cotidianas, no caso da pesquisa jurídica a coisa é diferente.
Não é só encontrar a lei ou jurisprudência aplicável
Eu entendo que a pesquisa jurídica é um processo. Pesquisa jurídica não é encontrar a lei. Não é uma resposta de uma frase.
A pesquisa jurídica envolve se debruçar sobre um caso, ler esse caso, ler casos semelhantes, encontrar casos que tiveram a uma conclusão oposta à que você defende e entender não apenas a decisão do caso, mas também o contexto e as nuances.
Nenhuma das ferramentas GenAI consegue fazer isso sozinha, pelo menos não ainda.
O perigo, claro, é que quanto mais os advogados mais jovens utilizam a GenAI para tarefas rotineiras, mais serão tentados a usá-la para tarefas mais complexas, como pesquisa jurídica, buscando obter respostas rápidas.
Certamente, em meus 20 anos de prática, vi muitos advogados que tentaram o caminho mais fácil para resolver seus problemas. E isso frequentemente levou a resultados desastrosos. Mas hoje, com a GenAI, cair nessa armadilha ficou ainda mais fácil e tentador.
O problema é o problema
O que levanta outra preocupação ainda mais fundamental. Uma pesquisa jurídica sólida (e a solução de muitos outros problemas complexos) envolve pensar no problema desde o início.
Há um ditado bem conhecido que tem sido aplicado a coisas que vão da terapia à gestão empresarial: "o problema... é o problema".
Um dos meus mentores sempre me perguntava: qual é a primeira coisa que você faz em qualquer situação? Não é ler casos ou, como dizem hoje, pedir uma resposta ao ChatGPT. É sentar e olhar para a Ponte Estaiada (nosso escritório tem vista para a ponte).
O que eu quero dizer, claro, é que pensar no problema é a chave. Ou, como Albert Einstein disse:
"Se eu tivesse uma hora para resolver um problema, gastaria 55 minutos pensando no problema e 5 minutos pensando nas soluções".
Mas o que está acontecendo agora é que o pensamento crítico desapareceu. Muitas vezes, advogados mais jovens não refletem sobre o problema, apenas querem informações rápidas e fáceis.
Advogados experientes são melhores no uso do GenAI? O quê?
Já há estudos com conclusões que, à primeira vista, parecem surpreendentes, mas na verdade não deveriam ser.
Os advogados mais experientes são os melhores usuários de ferramentas de GenIA, pois eles sabem o que estão procurando. Em outras palavras, eles têm uma melhor compreensão do problema. Eles também sabem quando uma resposta parece certa. E quando parece errada.
Como eles sabem dessas coisas? Por causa da experiência deles com o processo de pesquisa jurídica tradicional, que criaram padrões inconscientemente, que acionam o que chamarei de "instinto jurídico" ou, simplesmente, sabedoria.
O verdadeiro desafio
Mas aqui está o perigo e o desafio que enfrentamos como profissionais.
À medida que dependemos cada vez mais de ferramentas GenAI, corremos o risco de perder o processo que desenvolve as habilidades de pensamento crítico, a sabedoria que advogados mais experientes possuem.
Precisamos encontrar maneiras de, primeiro, incutir entre nossos jovens advogados o respeito pelo pensamento crítico e pelo processo necessário para resolver problemas jurídicos.
Precisamos desenvolver maneiras de garantir que eles desenvolvam e utilizem essas habilidades e processos.
Temos que garantir que, com todos os benefícios do GenAI, não esperemos e nem exijamos uma resposta rápida, aquela citação isolada e aparentemente correta.
Precisamos exigir que eles nos mostrem que refletiram sobre o problema, e não que pediram uma resposta fácil ao ChatGPT.
A solução não é evitar o uso da GenAI.
Mas precisamos ser intencionais na preservação e no incentivo às habilidades de pensamento crítico que formam bons advogados.
Isso significa desenvolver programas de treinamento que priorizem o processo em detrimento da velocidade, criar oportunidades de mentoria onde advogados experientes possam transmitir suas habilidades de reconhecimento de padrões e, talvez o mais importante, dar aos jovens advogados a oportunidade de dedicar um tempo para pensar.
Como sempre, o futuro do Direito depende de advogados que pensem. Uma ferramenta GenAI que passa 55 minutos pensando em um problema seria motivo de chacota hoje em dia. Não vamos dar o mesmo tratamento à nossa profissão.




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