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Risco de IA generativa em pesquisa jurídica: a culpa é da tecnologia ou de nós mesmos?



A pesquisa jurídica é um mecanismo de produção e obtenção de conhecimento dentro da área do direito. Ela é fundamental para a prática advocatícia de profissionais e para o desenvolvimento de estudantes.

Buscas doutrinárias, legislativas e pesquisas jurisprudenciais ocorrem a todo momento, porém, não se discute sobre a veracidade das fontes.

Com a introdução da IA generativa na prática jurídica, a questão ficou ainda menos tranquila.

Primeiro, houve nos Estados Unidos o caso da Avianca, durante o qual o advogado usou o Chat GPT-3.5 para escrever um resumo completo com casos inexistentes que ele submeteu a um tribunal.

Depois, no Brasil, um advogado foi multado em R$ 2.400 depois de protocolar uma petição redigida no ChatGPT e o Ministro do TSE, Benedito Gonçalves, afirmar que o advogado enviou uma “fábula” para o tribunal.

Mais recentemente, um Juiz Federal do TRF da 1ª região assinou sentença feita por meio da inteligência artificial e que continha uma tese inventada.

O juiz será investigado pelo CNJ.


Mas quais são os problemas de usar IA generativa para pesquisa jurídica?


Os estudos sinalizam uma ampla gama de problemas, incluindo alguns que parecem ser subjetivos.

Os problemas observados variam desde distinguir uma "verdadeira alucinação" de um erro factual, por exemplo, nome de um juiz, até o tamanho das respostas.

Vender qualquer nova tecnologia jurídica para escritórios de advocacia já é difícil.

Vender produtos de IA generativa parece estar se movendo em um ritmo lentíssimo.

Os sócios mais avessos à riscos dos escritórios estão agitando bandeiras de advertência.

Depois, há também alguns clientes que estão enviando sinais conflitantes para os seus advogados... limitando, exigindo ou proibindo o uso de produtos IA generativa em suas demandas.

Adicione a essa sopa de ambiguidades a proliferação de regras judiciais restringindo ou estabelecendo requisitos em relação não apenas ao uso de IA generativa, mas também a produtos de IA em geral.

Na semana passada, tivemos três dias inteiros de audiências públicas no CNJ focadas em discutir a atualização da Portaria 271/2020.

Por outro lado, o Poder Judiciário do Espírito Santo instituiu e regulamentou a Política de Uso de IA no âmbito do PJES, o Ato Normativo 161/2024.

É importante lembrar que a IA generativa provavelmente estará em 90% dos produtos e serviços que o advogado médio usa, especialmente em seu smartphone.


Por que os escritórios de advocacia estão adiando a adoção de IA generativa para pesquisa jurídica?


Um estudo realizado pela empresa de tecnologia jurídica LexisNexis, em 2024, indicou que os entrevistados identificaram 3 principais preocupações relacionadas à adoção do IA Generativa:

  • A confiabilidade das soluções tecnológicas atuais (86%)

  • A qualidade das soluções tecnológicas atuais (75%)

  • Conteúdo alucinado/inventado preocupa (74%)

 

Os casos de "alucinação da I.A." criaram uma falsa histeria?


Na minha opinião, sim.

Os escritórios de advocacia estão exagerando na reação à IA Generativa após ignorar o risco latente em formas anteriores de pesquisa jurídica.

Não me lembro de conselhos e comitês de ética de escritórios tentando conter a adoção de produtos tradicionais de pesquisa jurídica online, como JusBrasil, ou até mesmo o Google.

A busca booleana e as antigas formas de pesquisa certamente apresentavam resultados incompletos. O advogado se limitava a uma linguagem "pontual" sem perceber que o texto completo não estaria totalmente aderente ao contexto.

"Nos velhos tempos", um advogado teria que imprimir o caso completo e lê-lo para descobrir que o texto estava na dissidência.

A verdade é que os advogados de hoje estão apenas reagindo à hype em torno da IA Generativa.

No entanto, eles ignoraram amplamente e por muitos anos o declínio geral nas habilidades dos advogados de empregar técnicas adequadas de pesquisa jurídica.

A maioria das faculdades de direito não fornece treinamento avançado em pesquisa jurídica.

Os exames da Ordem não testam e avaliam competências de pesquisa jurídica.

E a maioria dos escritórios de advocacia não tem requisitos obrigatórios de recrutamento ou de treinamento em pesquisa jurídica para os seus profissionais.

Todos os dias jovens advogados recebem uma tarefa de pesquisa jurídica... antes de serem apresentados aos melhores recursos e às melhores práticas de pesquisa jurídica.

Portanto, existem alguns fatores que aumentaram os riscos de alucinação:

  • Declínio nas habilidades de pesquisa jurídica.  Associações de advogados, escolas de direito e escritórios de advocacia têm ignorado a necessidade de exigir competência em pesquisa jurídica por décadas;

  • Quando os advogados pararam de ler casos? Uma geração de advogados que cresceu rolando a tela pode aprender a ler casos completos? Será que perderam a capacidade de ingerir e entender grandes quantidades de texto devido ao declínio da leitura profunda? Isso pode ou deve ser tolerado na profissão jurídica?

  • A IA generativa apresenta riscos realmente únicos para a pesquisa jurídica? Na minha opinião, não há risco que não possa ser completamente mitigado pelo uso de habilidades tradicionais de pesquisa jurídica. O único risco real é que os advogados percam a capacidade de ler, compreender e sintetizar informações de fontes primárias.

Conclusão: Durante décadas, formas e sistemas imperfeitos de pesquisa jurídica floresceram e melhoraram ao longo do tempo com base nos avanços da tecnologia e no feedback dos clientes.

 

A histeria da IA generativa é justificada?


Primeiramente, é importante lembrar que ChatGPT não é uma IA Jurídica.

O ponto principal é que o ChatGPT da Open AI, que foi mal utilizado pelos advogados e pelo juiz nos casos mencionados acima, pois não foi projetado para pesquisa jurídica!

E isso não impediu que outros advogados repetissem o erro.

No entanto, cada geração de ferramentas de pesquisa continha algum nível de risco.

Ao longo dos anos, ferramentas que hoje são reverenciadas, entregavam apenas parte do trabalho. O advogado tinha de ler o conteúdo e tirar suas próprias conclusões.

Além disso, muitos dos produtos mais amplamente adotados hoje foram, pelo menos em parte, criados com o uso de IA ou outros resultados habilitados para IA.

Recursos e funcionalidades como “digitação antecipada”, análise resumida e jurisprudência usam aprendizado de máquina para entregar seus resultados.


Os advogados devem usar o Google para pesquisa jurídica?


Eu diria "não".

Embora o Google não alucine na criação de documentos jurídicos, ele também não verifica a autenticidade ou procedência dos documentos jurídicos que ele mostra em seus resultados de pesquisa.

Eu não recomendo usar documentos jurídicos públicos disponíveis na internet, mesmo que eles sejam localizados usando uma pesquisa tradicional do Google ao invés de uma I.A..

Documentos jurídicos da internet, mesmo que não sejam alucinados, podem ser lacunosos, desatualizados ou conter erros.

Os escritórios de advocacia assinam plataformas de pesquisa jurídica para garantir que os advogados tenham acesso a documentos jurídicos autênticos e editorialmente aprimorados.

Portanto, as ferramentas de IA Generativa específicas da área jurídica, não têm os mesmos riscos de “casos alucinados” que as ferramentas de uso geral, como o ChatGPT.

Elas têm bancos de dados privados com curadoria que incluem apenas conteúdo verificável.

Eles construíram controles incluindo Retrieval Augmented Generation (RAG) em seus sistemas que impedem que os LLMs gerem casos “alucinados”. No entanto, ainda assim, não podem garantir que respostas como resumos sejam 100% precisas.


Confie, mas verifique.


Advogados ainda precisarão ler e verificar as informações, mesmo ao usar uma IA generativa projetado para o mercado jurídico.

Talvez as empresas de tecnologia de pesquisa jurídica compartilhem parte da culpa pela resistência contra a IA generativa.

Elas têm tido pressa em lançar produtos no mercado sem entender as questões éticas, de clientes e judiciais que podem acontecer com o uso da IA Generativa no mercado jurídico.

Compreensivelmente, as Lawtechs precisam de um retorno sobre seu investimento em tecnologia.

Talvez o custo para atualizar um produto de pesquisa jurídica de IA generativa seja muito alto para uma classe de produtos que ainda estão em estágios iniciais de desenvolvimento.


Existe uma solução – Educação em Pesquisa Jurídica


Na década de 1980, houve um grande impulso na comunidade de bibliotecários jurídicos para promover o treinamento em pesquisa jurídica.

Entre os mandamentos da pesquisa jurídica, estavam alguns que hoje não são tão óbvios para os advogados: “leia qualquer informação que você esteja citando” e “verifique e valide sua pesquisa”.

Talvez, os bibliotecários jurídicos são os melhores profissionais para realizar o treinamento e a mitigação de risco da IA Generativa nos escritórios de advocacia.

Infelizmente, o treinamento em pesquisa jurídica não tem o mesmo nível de investimento e de atenção que outros conjuntos de habilidades.

A educação em Pesquisa Jurídica precisa ser colocada em pé de igualdade com todas as outras competências essenciais para os advogados, se os escritórios quiserem mitigar os riscos das tecnologias de pesquisa jurídica que incluem IA Generativa.

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