
Na quinta-feira, falei com um grupo de advogados de São Paulo sobre o uso de IA generativa na área jurídica e um deles me fez uma pergunta curiosa, que me fez refletir nesse domingo.
Muitos eram aquele tipo cada vez mais raro de advogados que realmente vão aos tribunais e fazem audiências.
Outros com quem conversei antes e depois da minha palestra, estavam orgulhosos de suas habilidades nos tribunais e felizes em compartilhar uma ou duas "histórias de guerra".
Mas quando se tratava de falar sobre IA generativa, a maioria parecia nem ter pensado no assunto.
Na verdade, durante minha palestra, quando pedi que levantassem a mão quem já havia experimentado o ChatGPT, vi apenas uns dez se manifestarem.
Quando perguntei se alguém havia usado algum outro produto de IA generativa em sua prática jurídica, ninguém levantou a mão.
Quando perguntei se eles estavam familiarizados com o caso de "alucinações da I.A.", como o da Avianca, ninguém levantou a mão. Quando perguntei se eles tinham ouvido falar do juiz que incluiu uma jurisprudência inventada pela I.A. na sentença, ninguém levantou a mão.
Minha pesquisa foi tudo menos científica, e a falta de mãos levantadas pode ter sido atribuída ao início da manhã, ou à timidez, ou à simples falta de interesse.
Mas, como eu disse, vários advogados me disseram, fora do contexto da minha palestra, que eram completamente inexperientes em qualquer aspecto da IA generativa. Dois me disseram abertamente que têm ignorado isso porque vão se aposentar em breve.
A pergunta que me deixou reflexivo
A parte boa das conversas que tive depois da minha palestra foi que várias pessoas vieram me dizer que eu despertei seu interesse, ou pelo menos as fiz perceber que deveriam começar a levar essa tecnologia a sério.
Um advogado presente na sala lamentou que os sócios não estavam lá para ver o que mostrei, como a ferramenta da DataLawyer, que ele me disse que quando viu isso, percebeu como isso poderia lhe economizar tempo, já que facilitaria muito a pesquisa por jurisprudências.
Daí então ele falou:
"Mauro, você acha que a Inteligência Artificial Generativa vai ajudar mais os advogados solos e os pequenos escritórios, como foi com a chegada da internet?"
Eu fui pego de surpresa e confesso que na hora respondi a ele que a pergunta era excelente, mas eu não tinha uma resposta para dar na hora. Precisaria pensar. E aqui estou.
Se eu avaliasse o panorama jurídico com base apenas no LinkedIn, poderia concluir que todos na profissão jurídica estão pelo menos falando sobre IA generativa, se não a utilizam.
Meu feed está cheio de pessoas que estão imersas no ecossistema tecnológico, tem o pessoal da AB2L, equipes inteiras das principais Lawtechs do país, e isso às vezes me faz esquecer que nem todos na área jurídica estão tão sintonizados com as novas tecnologias.
Eu costumo brincar e chamar isso de "A bolha da Vila Olímpia".
A divisão dos escritórios
Comecei a refletir e percebi que em meu Linkedin há uma nítida divisão entre os advogados, ou melhor, uma divisão na utilização de IA Generativa entre escritórios maiores e escritórios pequenos.
Mas calma, sei que toda regra tem exceção.
Há claramente escritórios menores que estão na liderança da utilização de IA Generativa. Da mesma forma, sei que existem escritórios maiores que fecharam as portas para a IA Generativa.
No entanto, os escritórios que incorporam mais abertamente a IA generativa nos seus fluxos de trabalho, parecem ser, na sua maioria, os escritórios de maior dimensão.
E há uma boa razão para isso.
Os escritórios maiores têm líderes de inovação (como eu mesmo fui no PK Advogados por muitos anos) e outros membros que trabalham na adoção da IA generativa. Graças a esses profissionais, os escritórios maiores estão mais bem equipados para pesquisar o panorama da IA na área jurídica e testar produtos em condições controladas e seguras.
Os escritórios pequenos já foram mais ágeis
Ocorre que isso é uma mudança no padrão e eu falo isso constantemente.
Um coisa que eu sempre defendo no início das minhas palestras é contra o clichê de que os advogados demoram a adotar novas tecnologias.
Eu mostro que já fizemos a transição das máquinas de escrever para os computadores, do telefone fixo para o celular, do uso exclusivo de livros impressos para a pesquisa na internet e adoção do WhatsApp como meio de falar com os clientes, entre outras.
Porém, a minha impressão sempre foi a de que os advogados mais comumente na vanguarda da adoção de tecnologia não são aqueles que trabalham em grandes escritórios, mas sim os, advogados que atuam em escritórios individuais e pequenos.
Por que os advogados solos e os pequenos escritórios estavam frequentemente à frente no que se refere à adoção de tecnologia?
Porque essas tecnologias forneceram recursos que de outra forma não teriam, capacitando-os e nivelando o campo de jogo contra os seus pares de escritórios maiores.
Imagine em 1990, um advogado solo em Quixeramobim, interior do Ceará. Qual era o máximo que ele teria em termos de mercado potencial? Somente as pessoas do seu município? Talvez de alguns municípios vizinhos? Mas qual a chance de ele representar um cliente de São Paulo?
A internet capacitou esses advogados individuais e de pequenos escritórios para alcançarem o Brasil inteiro e, em muitos casos, competir com escritórios maiores e de grandes centros pelos mesmos clientes.
Porque a I.A. Generativa é perigosa para os pequenos?
O problema é que a IA generativa é um tipo diferente de "monstro", que não é tão facilmente adotada por um pequeno escritório porque não tem um time TI ou de inovação.
A IA Generativa ainda é uma caixa preta pouco compreendida e potencialmente perigosa para muitos profissionais do direito, e explorar as diversas ferramentas que estão surgindo quase que diariamente, requer tempo e conhecimento que eles não possuem.
Este desequilíbrio no pessoal de inovação e na capacidade entre escritórios pequenos e grandes significa que os escritórios maiores têm vantagem quando se trata de adotar e implementar ferramentas de IA Generativa.
Isso significa que, em vez de criar condições de concorrência equitativas para os pequenos escritório, esta tecnologia tem o potencial de as desequilibrar totalmente.
Uma outra causa potencial de desequilíbrio está nos produtos de IA Generativa que estão sendo desenvolvidos para o mercado jurídico.
Até esse momento, o custo para desenvolvimento de ferramentas de IA Generativa está muito alto e, por óbvio, grande parte do dinheiro e do desenvolvimento da tecnologia jurídica está sendo direcionado para ferramentas que atendam escritórios maiores e o jurídico corporativo.
Poucas Lawtechs estão pensando em desenvolver soluções para os escritórios menores.
Os grandes escritórios podem "engolir" os pequenos?
Se quiserem, sim.
Meu palpite é que os advogados que conheci na quinta-feira eram mais representativos da classe de advogados que trabalham em escritórios individuais, pequenos e médios.
Provavelmente eles já ouviram falar do ChatGPT. Talvez eles já tenham tentado usá-lo de um forma bem rudimentar. Mas eles não o utilizam nas suas práticas e não têm planos imediatos de utilização, muito menos interesse.
O resultado potencial de tudo isto é um fosso cada vez maior entre os advogados que usam a IA Generativa e aqueles que não o fazem, e ele é definido principalmente pelo tamanho dos escritórios em que atuam.
Embora a tecnologia seja há muito tempo um equalizador entre escritórios de advocacia de diferentes tamanhos, a IA Generativa pode apagar esse equilíbrio.
Na medida em que o que inibe os pequenos escritórios de adotarem a IA Generativa é a falta de conhecimentos e recursos, se nada mudar o rumo dessa história, é possível que tenhamos um retrocesso do que aconteceu nos anos 90 com a chegada da Internet.
Se, naquele tempo, a Internet ajudou os pequenos escritórios e advogados solos a alcançarem mercados mais distantes e aumentarem sua carteira de clientes, agora os grandes escritórios podem usar a IA Generativa para pegar essa fatia de volta.
Explico. O que impedia um escritório grande de atender empresas menores ou pessoas físicas mais humildes era que o valor dos seus honorários era diretamente proporcional ao valor das horas dos seus advogados e isso aumentava demais o preço dos serviços e inviabilizava a sua contratação para muitos.
Agora, o grande escritório pode usar a IA Generativa para "replicar" as qualidades dos seus melhores advogados e, livre das amarras da relação advogado/hora, ela pode oferecer seus serviços jurídicos para centenas, milhares ou milhões de clientes.
Entenderam? Fui claro? Imaginem um Pinheiro Neto, um Mattos Filho ou um Machado Meyer com uma capacidade de atendimento 100 vezes maior do que a que eles têm hoje. Imaginou?
É isso.
Daí, talvez a rede de supermercados de Quixeramobim, Ceará, que antes não conseguiria ter os serviços jurídicos desses grandes escritórios, agora passará a ter, mediante uma tabela de honorários especial, mais acessível, viabilizada por Inteligência Artificial Generativa.
O que os pequenos escritórios devem fazer?
Os pequenos precisam parar um pouco, estudar sobre Inteligência Artificial Generativa de forma intencional, acompanhar o mercado e testar as ferramentas existentes.
Existe uma oportunidade para os advogados solo e os pequenos escritórios intensificarem as suas atuações com recursos e formação em IA Generativa, tanto nas aplicações práticas nas atividades da advocacia, quanto em atividades paralelas como estudo de mercado, marketing, vendas, atendimento, gestão, entre muitas outras.
Em última análise, porém, cabe aos advogados dos pequenos escritórios começar a explorar a tecnologia e entender como ela pode contribuir para sua rotina, e familiarizar-se com os seus pontos fortes e fracos.
A IA veio para ficar. Agora, parece-me, que é o momento de descobrir como usá-lo de forma lucrativa e responsável.
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Para participar, basta clicar nesse link e participar: https://bit.ly/pesquisaebld
Os resultados obtidos nessa pesquisa serão compartilhados em um relatório completo para os participantes, bem como serão apresentadas recomendações, dicas de ferramentas, técnicas de engenharia de prompts e caminhos para os advogados avançarem no uso da I.A. Generativa.
Contamos com a sua contribuição nesse estudo.
Obrigado!
Mauro Roberto Martins Junior
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